As definições dos dicionários indicam que a palavra medo significa uma espécie de perturbação diante da ideia de que se está exposto a algum tipo de perigo, que pode ser real ou não, um estado de apreensão, de atenção, esperando algo ruim que possa acontecer.
Ainda que o medo possa ser benéfico em situações de risco real, funcionando como uma medida de proteção, ele carrega mais atributos negativos do que positivos.
Quando é exagerado, é chamado de pavor. Quando é patologicamente doentio recebe o nome de fobia, em homenagem a Fobos, filho de Ares de de Afrodite que tinha o poder de infundir o medo e a covardia nas tropas inimigas.
Além de questões bélicas, o medo também é utilizado cotidianamente para afastar seres indesejados, para disciplinar filhos e funcionários e, por incrível que pareça, até como um método de “motivação”, é da natureza humana se mover pelo prazer, mas também pelo medo da dor.
Inspirar medo nas pessoas não é nada novo, líderes tribais se estabeleciam pelo medo. Líderes atuais, também. É a forma de controlar as pessoas e impor suas vontades.
Como bem mencionou a Lilian vivemos em tempos de fear mongering – disseminação de rumores assustadores e exagerados de um perigo iminente de despertar propositalmente o medo a fim de manipular o as pessoas.
Medo social tampouco é um fenômeno nascido na modernidade líquida. A pressão do pares (peer pressure) é uma atividade comum desde a nossa mais tenra idade, ainda que se manifeste de forma mais exacerbada quando começamos a frequentar a escola (e todos os meios sociais subsequentes), geralmente em forma de bullying.
O que mudou, em tempos de sociedade em rede e na vida digital é que essa pressão agora vem de todos os lados: através das redes sociais, através dos algoritmos dessas mesmas redes e dos aplicativos.
Pobre de você se não assistiu a última série de sucesso da Netflix, se perdeu a live daquele mega influenciador digital, se não tem o último hit na sua playlist do Spotify, ou se não está acompanhando nenhum podcast.
Mais grave ainda, se ainda não entrou no Clubhouse.
Se no tempo dos nossos antepassados tínhamos referências centrais, a modernidade líquida nos defronta com infinitos centros nichados por onde nos movemos continuamente, onde deveria existir a oportunidade de não nos sentirmos fora de nada. No limite, cada um pode ter seu nicho particular.
Aqui caímos numa situação quase aporética: ao mesmo tempo em que todos se orgulham de ser “livres-pensadores” ou, pelo menos se arrogam ao direito de não precisar de concordar com nada ou com ninguém, nos pelamos de medo de ficar de fora do centro do nicho ou do centro de nós mesmos.
O medo de ser considerado um pária de si mesmo? O esdrúxulo, o excêntrico, o irrelevante?
Vikram Mansharamani, professor americano, autor do fabuloso “Think for yourself” (em outro momento vou escrever a respeito do livro, mas não sinta-se obrigado a lê-lo) diagnostica o medo de ficar de fora (FOMO – fear of missing out) como o mais evidente problema da nossa sociedade e propõe caminhos para a restauração do bom senso e do controle das decisões.
Não é uma questão de pensar fora da caixa – um exemplo típico de pressão de pares, afinal, todo mundo deveria pensar assim, certo? – mas, simplesmente, de pensar por conta própria. Em tempos de promoção da diversidade, por que não considerar e respeitar também a diversidade de ideias? Inclusive com o direito inalienável de discordar de cada palavra que escrevi aqui.
*descrição da imagem: o ator Jack Nicholson em uma cena do filme “O iluminado” de 1980