Em busca do tempo perdido

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Fábio Adiron

“L’amour, c’est l’espace et le temps rendus sensibles au coeur.” [1] Marcel Proust

I was born not knowing and have had only a little time to change that here and there. Richard P. Feymann

A filosofia, desde os seus primórdios pré-socráticos (e, muito provavelmente, até antes disso) tem se debruçado sobre as mais diversas questões da humanidade e do mundo que a cerca, sem chegar a alguma conclusão definitiva a respeito de quase nenhuma delas.

Por isso mesmo chega a ser surpreendente que, de uma forma ou outra, o tempo seja um dos raros aspectos a respeito do qual existe algum consenso.[2]

Parmênides, no séc. V a.C. já atribuía a subjetividade à compreensão do tempo ao declarar que este era resultado da nossa percepção. Platão declarava que o tempo não existia, uma vez que era parte do mundo das sensações, ainda que acabasse por caracterizar o mundo físico de forma objetiva (especialmente nos ciclos temporais das estações).

Porém foram filósofos bem mais recentes que se aprofundaram nessa questão. Agostinho, quase mil anos depois de Parmênides, Hume e Kant há pouco mais de 200 anos.

Quid est ergo tempus?

Para Agostinho[3] o tempo era uma construção do espírito (lembre-se que espírito e mente era considerados a mesma coisa), que escapava à concepção lógica humana.

O passado não existia, senão na memória. O futuro ainda não existe e é uma mera expectativa. O presente acabou antes de você acabar de ler essa frase, mera percepção, portanto.

Memória, expectativa e percepção são atos mentais humanos, fatores totalmente subjetivos.

A localização temporal das coisas é impossível fora da sucessão de fatos. Dessa forma ele explicaria a nossa impossibilidade de conceber a eternidade. Assim como nos é impossível conceber o infinito, uma vez que nossa noção de espaço também é delimitada por modelos criados mentalmente e também subjetivos.

“A vida de um homem não é mais importante para o universo do que a de uma ostra”

Não se ofenda com essa afirmação de David Hume[4]. Era um cético que  entendia que a mente humana está encerrada dentro de limites tão estreitos, que impediriam conhecêssemos verdadeiramente as coisas.

Sua tese era a de que não entendemos a essência dos objetos (tangíveis ou intangíveis), mas a apenas a relação causal entre eles. Tudo é causa e efeito.

A mente trabalha movida por impressões (percepção) e associações de conhecimento anteriormente percebidas (ideias).

Logo, tudo que é criado se reduz à capacidade de fazer combinações, transposições, aumentos ou diminuições de materiais oriundos dos sentidos da experiência.[5]

Nada se cria, já diria Lavoisier, no caso de Hume nada surge fora do domínio da experiência. Nem os sonhos surgem do nada ou do acaso (Freud explicaria isso um século depois).

Nem tempo, nem espaço.

Kant[6], por sua vez, radicalizaria a amplitude da subjetividade ao afirmar que nem o tempo, nem o espaço eram realidades materiais.

Para ele eram produto também das percepções e das experiências, convertidas em formas racionais de representação.

Os objetos não continham nem espaço e nem tempo entre as suas propriedades essenciais mas, para que possamos apresentá-los, o tempo é uma condição necessária à nossa organização mental (fora do objeto).

Wo es war?[7]

Freud não era filósofo (pelo menos não dentro do conceito clássico da palavra), mas também transitou sobre questões temporais, a ponto de afirmar que no Id não existe nada que corresponda à ideia de tempo, nenhuma alteração de processos mentais é produzida pela passagem do tempo.

Lacan discutiu a questão do tempo de decidir, quando analisou o sofisma proposto por André Weiss (dos prisioneiros que podem ter discos brancos ou pretos nas suas costas), discutindo a pressão do tempo para perceber, compreender a situação e concluir algo, o que não poucas vezes nos leva a formar uma certeza antecipada.

Como o tempo para compreender algo não é infinito, a conclusão se impõe, a angústia emerge como efeito do real sobre o imaginário.[8]

A única certeza antecipada que podemos ter é a da morte, que nos pressiona a outras decisões, nem sempre corretas. Como diz Feymann na epígrafe desse texto, nascemos não sabendo nada e temos pouco tempo para mudar algumas pequenas coisas.

Não dá para agradar a todos

Ainda que exista algum consenso a respeito da subjetividade do tempo (e talvez um pouco menos a respeito do espaço), nunca é possível agradar a todos.

O físico Ludwig Boltzman é um exemplo: não exatamente por defender a materialidade do tempo, mas por odiar os filósofos que, segundo ele, reduziam qualquer coisa a nada.

Carpe Diem

Horácio, poeta latino do primeiro século a.C. já preconizava no primeiro volume das suas Odes: “Dum loquimur, fugerit inuida / aetas: carpe diem, quam minimum credula postero.”[9] ou seja: De inveja o tempo voa enquanto nós falamos: trata pois de colher o dia (aproveitar o momento), o dia de hoje, que o de amanhã nunca merece confiança.

O não menos poético Ricardo Reis, também recomendava aproveitar o dia, e deixar o futuro para quando ele acontecesse: “Quanto vivas, Sem que o gozes, não vives. O prazer do momento anteponhamos  À absurda cura do futuro“.[10]

O que fazer?

Mesmo considerando nossas medições subjetivas do tempo, e por mais que a expectativa de vida venha aumentando no decorrer da história, sabemos que ele é curto.

Se, de uma lado a pressão para apressar as coisas é inerente ao fato de sermos humanos, por outro lado, admitamos, jogamos muito tempo fora com atividades sem sentido.

Não vou deitar regras sobre o que fazer ou não, mas apenas deixar um conselho: gaste um pouco do seu tempo refletindo como usá-lo melhor.

Ah, antes que eu esqueça: o sétimo e último volume da saga “Em busca do tempo perdido” de Proust chamava-se “O tempo redescoberto” e foi publicado postumamente.


[1] PROUST, Marcel. À la recherche du temps perdu. Gallimard. Paris.1999

[2] Por outro lado, nunca se chegou a um consenso a respeito da origem do tempo

[3] AGOSTINHO. Confissões. Nova Cultural. São Paulo. 1987

[4] HUME, D. Investigação sobre o entendimento humano. Abril Cultural. São Paulo. 1984

[5] CARNEIRO, Marcelo C. Considerações sobre a ideia de tempo em Sto. Agostinho, Hume e Kant. Comunicação Saúde e Educação v.8 nº15. 2004

[6] KANT, I. Crítica da razão pura. Nova Cultural. São Paulo. 1987

[7] Máxima de Freud: Wo es war, soll ich werden – onde isso estava eu deveria me tornar (tradução livre)

[8] COELHO, Sonia. O tempo lógico de Lacan. XII Jornada Freud-Lacaniana. Recife. 2006

[9] HORATIO. Odes. Cotovia. LIsboa. 2018

[10] PESSOA, Fernando. Odes de Ricardo Reis. Rio de Janeiro: Ed. José Aguilar, 1974

Descrição da imagem: pintura de um relógio derretendo, de Salvador Dali 1954