Fábio Adiron
O passado é uma roupa que não nos serve mais – Belchior
O conservadorismo, enquanto filosofia e ideologia, tem várias correntes. Não vou me ater a todas elas pois não é o objetivo desse artigo, mas duas podem ser identificadas de forma clara.
A primeira é a dos conservadores que entendem que para mudar o futuro não podemos desprezar os ensinamentos do passado, mas pesar quais são valiosos o suficiente para serem mantidos. É o caso de Edmund Burke e outros pensadores conservadores sérios.
A outra é a do conservadorismo pelo conservadorismo em si mesmo, que apregoa que o passado é sempre melhor que qualquer coisa que possa ser mudada. Não tem bases conceituais sólidas e pode ser encontrado em todos os cantos.
A primeira entende a mudança como inevitável e a quer sobre alicerces sólidos. A segunda é eternamente resistente a qualquer mudança.
O futuro está atrás de nós
Não se assuste com o intertítulo, eu não concordo com ele, mas talvez ele sumarize a minha impressão ao ler um artigo sobre o livro “How Brands Grow”[1] do neozelandês Byron Sharp.
Fiquei em dúvida se realmente tinha entendido o que ele dizia. Mesmo não tendo o hábito de beber excessivamente, achei que meu gato tinha colocado alguma substância estupefaciente no meu café.
Para me certificar da minha compreensão consultei alguns amigos e colegas que eu reputo como referência no mundo do marketing e, para o bem estar da minha sanidade mental, eles concordaram com a minha leitura.
O livro, publicado em 2011 (e, mesmo que já tenham se passado 10 anos, suas afirmações também não fariam sentido na época) tem as seguintes pérolas:
O autor passa por outros assuntos como um bom detrator de quase todos os avanços do marketing nos últimos 30 anos. Inclusive os programas de fidelização (afinal, 1997, ele fez um estudo acadêmico analisando 6 marcas[2] para contrapor o estudo do Reichheld[3] que estudou dezenas de empresas e ramos de atividade durante mais de uma década).
O que disseram os mestres[4]
Os que pegaram mais leve se referiram ao texto como estranho. Um que não tinham papas na língua, se referiu ao autor como “mucho loco”.
Como assim “para inovar na distribuição basta simplesmente aumentá-la?”
De forma quase unânime concordam que as mídias de massa podem colaborar na construção de marca, mas questionam a que custo (especialmente levando em conta a dispersão dos infinitos públicos pelas quase infinitas mídias).
Além do fato, como bem foi mencionado, das escolhas também quase infinitas de variedade de produtos estudada pelo Barry Schwarz no seu “Paradoxo da escolha”.
A melhor frase que eu li foi : “ele propõe a seguinte troca: compre o meu livro e você vai se livrar de todo o árduo trabalho de fazer marketing bem feito.” Outros lembraram que criar polêmica é apenas uma estratégia para vender mais livros.
O problema, a meu ver, não é vender mais (se ele ganhou dinheiro com isso sorte dele), mas colocar besteira na cabeça dos leitores.
Além disso, o autor do livro alega estar baseado em dados científicos, mas sem deixar explícito que prática científica foi essa (protocolos, técnicas, etc.) não dá para acreditar em resultados realmente válidos.
O que eu penso
O autor menospreza a inteligência do consumidor (além da inteligência dos seus leitores, é claro). Aliás, ele nem se preocupa com o consumidor que ele enxerga apenas como massa de manobra que engole qualquer coisa, desde que seja repetida indefinidamente e de forma massiva.
Para ele, se a marca aparece em todos os cantos (seja na mídia, seja nos pontos de venda) já é o suficiente para atender as necessidades do mercado que funciona exclusivamente na base de conhecimento da marca e disponibilidade do produto.
Tudo que aprendemos (e continuamos a aprender na teoria e na prática) sobre as mudanças de comportamento das pessoas pode ser jogado no lixo, se nos deixarmos levar por essa lógica estranha. Como se nada de diferente tivesse acontecido no mundo nas últimas décadas.
O melhor que poderia acontecer seria a criação de uma máquina do tempo que mandasse esse sujeito de volta para o mundo do pós 2ª guerra mundial, onde sua visão de mundo estaria de acordo com a época. Ele seria mais feliz.
E nós também.
[1] How Brands Grow (Speed Summary) – https://brandgenetics.com/how-brands-grow-speed-summary/
[2] SHARP, Byron. Loyalty programs and their impact on repeat-purchase loyalty patterns.” International journal of Research in Marketing 14.5 (1997): 473-486
[3] REICHHELD, Frederick F. The loyalty effect. Harvard Business School Press. Cambridge, MA. 1996
[4] Agradeço ao Jeffrey Hanson Costa, Fernando Moulin, Christiano Ranoya, Veronique Forat e Edson Crescitelli pelos inputs