Uma leitura infinita

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Fábio Adiron

O que vai desfazer qualquer limite é a consciência do que é a nossa visão, e não o que estamos vendo, que é limitado (James P. Carse)

Há pouco mais de um mês, trocando ideias com um colega numa rede social, ele me sugeriu a leitura do livro “O jogo infinito” do Simon Sinek. Curioso que sou, me empenhei em saber mais sobre o assunto.

Descobri que Sinek tomou como referência outro livro, “Jogos finitos e infinitos” de James P. Carse (1933-2020) que foi um acadêmico americano professor emérito de história e literatura da religião na Universidade de Nova York.

Como, além de curioso, também sou razoavelmente chato, gosto de ir à fonte da fonte da fonte antes de abrir a garrafa e beber a água final. Fui atrás do livro do Carse.

Isso não significa nenhum demérito para o Sinek, pelo contrário, admiro quem reconhece se apoiar nos ombros de gigantes e que consegue abstrair as ideias para aplicar na sua área de atuação e, claro, dar nome aos bois de quem são as suas referências.

O livro de Sinek aborda essencialmente a questão da liderança e da gestão nas organizações, já o livro de Carse explora profundamente a diferença entre a finitude e a infinitude dos jogos na vida como um todo, desde a relação do homem com a natureza, passando a pela sociedade e pela cultura, chegando inclusive na intimidade da sexualidade.

A vida por ser um jogo como um fim ou um jogo que continua para sempre, claro, dentro da nossa existência finita.

Um jogo finito demanda repetição. Se você vencer um precisa se inscrever no próximo. O prêmio alcançado no primeiro jogo nunca é suficiente para mostrar suas vitórias. Os jogadores finitos precisam desfilar em torno de conquistas e precisam exibir os marcadores de vitórias que acumularam para que os outros jogadores saibam com quem estão lidando[1]. Carse argumenta que esses jogadores gastam seu tempo no passado, porque é aí que estão as vitórias.

Já os jogadores infinitos, olham para o futuro. Como seu objetivo é manter o jogo em andamento, eles se concentram menos no que aconteceu e se esforçam mais para descobrir o que é possível. Ao jogar um jogo único e não repetível, eles não se preocupam com a manutenção e a exibição de troféus e vitórias anteriores. Eles estão mais preocupados em se posicionar para lidar efetivamente com quaisquer desafios que surjam.

E é nesse aspecto de lidar com desafios que Sinek vai contextualizar suas recomendações para as organizações.

O aprendizado que você precisa para a vida depende de qual jogo está jogando. Jogadores finitos precisam de treinamento. Jogadores infinitos precisam de educação . Porque se você joga a vida como um jogo finito, você treina para as regras. Se a vida é um jogo infinito, você se concentra em ser educado para se adaptar ao desconhecido.

A escolha do jogo finito ou infinito também determinará como você define o sucesso e o que você precisa para alcançá-lo. Jogadores finitos precisam de poder. O poder dá a eles a melhor chance de vencer em cada competição sucessiva. Jogadores infinitos precisam de resistência. Eles precisam de atributos para mantê-los funcionando.

Isso não significa que o livro vá lhe dar uma fórmula de felicidade. Todos nós somos jogadores finitos e infinitos de acordo com cada contexto e em relação a cada aspecto da vida.

Não poucas vezes jogamos o mesmo jogo de formas diferentes. Em alguns momentos com seriedade, como exige o jogo finito, outras com despreocupação, base do jogo infinito.

A leitura vai te ajudar a entender melhor em que tipo de jogo você está em cada momento, mas não vai preceituar qual jogo jogar (até por isso seria uma regra, típica dos jogos finitos).

Pode até ser que essa percepção te ajude a definir qual modelo é o mais adequado para cada situação (mas isso também vai depender de como cada um encara a vida).

Considerar sua vida por meio desse quadro ajuda a determinar se está fazendo as escolhas certas para ter sucesso no tipo de jogo que deseja jogar, mas nada garante você vai sair dele como vencedor.

Não é um livro de autoajuda. Não vai fazer de você uma pessoa mais ou menos feliz.

Nem é um livro para se ler e depois guardar, mas para mantê-lo sempre ao alcance para infinitas leituras.


[1] Recomendo a leitura de Signaling: The Language Peacocks, Gazelles, and Humans All Speak – https://fs.blog/2019/11/signaling-countersignaling/

Descrição de imagem: capa do livro de James P. Carse