“Mesmo ao dizer algumas palavras sobre a doutrina de como deve ser o mundo, a filosofia sempre chega tarde demais. Enquanto pensamento do mundo, ela aparece pela primeira vez depois que a realidade completou o seu processo de formação e já está pronta e acabada…Quando a filosofia pinta em claro-escuro, então um aspecto da vida envelheceu e não se deixa rejuvenescer pelo claro-escuro, mas apenas reconhecer: a coruja de Minerva levanta voo ao cair do crepúsculo.” Wilhelm Friedrich Hegel
A história é conhecida. Laio, rei de Tebas, ao saber que a esposa Jocasta estava grávida foi consultar o oráculo de Delfos sobre o destino do filho. Foi informado que esse filho o mataria e casaria com a mãe. Resolve se livrar do destino e manda que seus servos abandonem a criança numa montanha para morrer. O destino que não obedece a lógica humana, faz com que o menino seja encontrado por um pastor de Corinto que o adota e cria. O menino é Édipo.
Já adulto, Édipo também vai consultar o oráculo para saber seu destino. Informado que mataria seu pai e casaria com sua mãe, resolve fugir de Corinto, para driblar o destino. Mas o destino o leva a caminho de Tebas e a encontrar Laio nesse caminho. Os dois se desentendem e Édipo mata Laio e continua em direção a Tebas.
Ao chegar, descobre que a cidade está sofrendo por uma peste provocada por uma esfinge. Ele enfrenta a esfinge e vence o desafio do seu enigma, tornando-se um herói. Quando chegam as notícias de que Laio estava morto, o herói é alçado ao lugar do antigo rei e casa-se com a rainha Jocasta, com quem tem quatro filhos (dos quais Antígona é a mais conhecida, mas isso é outra história) e, mais tarde, ao descobrir a verdade, fura os próprios olhos.
Ainda que muitos tenham se debruçado sobre o mito e, a partir dele, tenham construído teorias, sendo a mais famosa o complexo de Édipo estabelecido por Freud, o psicólogo e Nobel de economia Daniel Kahneman não o menciona ao falar do viés de disponibilidade.
Esse viés é definido como sendo um atalho mental provocado por informações que chegam à mente de uma determinada pessoa ao avaliar um tópico, conceito, método ou decisão específica. Uma vez que é impossível ter todas as informações sobre tudo, os decisores se apegam à informação que dispõem e agem como se essa fosse a melhor informação possível.
Não é incomum que obnubilados pela vaidade, alguns, acreditam que sabem tudo e que as informações que não têm são desnecessárias.
Édipo é um exemplo claro de viés de disponibilidade. Ele sabia que mataria o pai, mas não sabia que o pastor de Corinto não era seu pai verdadeiro. Ele luta e mata um homem que o confrontou, mas não sabia que esse homem era realmente o seu pai. Ele sabe que seu heroísmo era o motivo para ser tornar rei de Tebas, mas não sabia que a rainha era a sua mãe.
E ele não era um sujeito de má formação e sem conhecimentos. Tanto que foi capaz de decifrar um enigma que nenhum outro tinha conseguido. E mesmo assim seguiu em frente em direção ao desastre.
Como disse anteriormente, nunca é possível ter toda a informação sobre tudo e, mesmo assim, somos defrontados cotidianamente pela necessidade de tomar decisões. Não poucas vezes sequer temos tempo para obter o máximo de informações que possam subsidiar uma tomada de decisão mais segura e, mesmo quando temos muita informação, estamos sujeitos ao fato de que a incerteza pode surgir, como se fosse a força do destino de Laio e de Édipo.
Sempre que abordamos a questão da tomada de decisão em contextos complexos, por ser impossível conhecer todas as suas variáveis, a decisão é sempre uma “semi-solução”. Daí a necessidade de acompanhar os seus desdobramentos e fazer as correções necessárias ou até mesmo descartar, se for o caso.[1]
Como bem diria Hegel, que citei em epígrafe, a sabedoria só chega depois que a realidade já está dada e é incapaz de iluminar o futuro.
O que deveria nos levar a refletir sobre a nossa educação.
Fomos ensinados a juntar dados, analisar a relação entre eles (inclusive as relações causais), identificar cenários possíveis e, de forma linear ou sistêmica, tomar decisões. Mas não fomos ensinados a lidar com a incerteza, até porque não existem regras ou métodos cartesianos para tanto.
A incerteza, assim como as pulsões, não é controlável. Lidar com ela é uma atitude, uma forma de enxergar o mundo. Também não é simplesmente uma questão de resignação atribuída indevidamente aos estoicos.
Uma educação para a contingência: aquilo que pode ou não ocorrer; incerto, duvidoso, imprevisível, acidental.
O universo e a nossa vida são complexos, enquanto acreditarmos que é possível controlar o que está à nossa volta estaremos sempre à beira do abismo, prestes a desabar, mesmo que não tenhamos furado os nossos olhos.
[1] Contribuição da Cristina Zauhy
Imagem: pintura de Édipo consultando o oráculo