Complexidade: alho não é bugalho

« voltar





Diz o dicionário que algo complexo é algo ou um conjunto de “algos”, tomado como um todo mais ou menos coerente, cujos componentes funcionam entre si em numerosas relações de interdependência ou de subordinação, de apreensão muitas vezes difícil pelo intelecto.

No entanto, apesar de difícil apreensão, o complexo é diferente do complicado, que também pode ser de difícil apreensão, mas que segue uma lógica coerente. O mecanismo de um relógio é complicado (em alguns casos, muito complicado) mas totalmente coerente e previsível.

O clima é complexo: nem sempre é coerente, tem relações de interdependência caóticas e não obrigatoriamente segue a lógica de causa e efeito.

Essa diferença explica o motivo pelo qual algo complicado possa ser explicado pela lógica cartesiana da análise disjuntiva, e o complexo não.

Ainda que no vocabulário corrente essas palavras muitas vezes sejam usadas de forma intercambiável, na teoria do pensamento elas não o são e, principalmente, no enfrentamento das mais diversas situações, é necessário usar o pensamento mais adequado para cada uma delas.

Quando estamos diante de situações onde a relação de causa e efeito é evidente, o pensamento lógico-cartesiano é muito útil. Esse modelo propõe a disjunção analítica do problema (dividir o problema em pedaços menores) para depois juntar as soluções da parte na questão geral. No cartesianismo o todo é a soma das partes.

Diferentemente do cartesianismo, no pensamento sistêmico, que surgiu nos EUA ao longo das 10 Conferências MACY entre os anos de 1946 e 1953 e mais tarde estruturado teoricamente  por Bertalanffy na sua Teoria Geral dos Sistemas, a visão de um problema deve ser holística, entendendo que todas as partes de um sistema influenciam as demais. Olha-se o todo e a dependência entre as partes que se influenciam entre elas.

Esse pensamento não se contenta em obter só as respostas para as questões, mas também validar as próprias questões e identificar verdades que estejam relacionadas entre si e que formem um conjunto coerente de significado. No pensamento sistêmico, o todo é maior que a soma das partes.

Além disso, esse pensamento, em um primeiro momento, assim como o cartesiano, tinha como objetivo descomplexificar a complexidade (reduzir a incerteza ou, quando não era possível, ignorá-la) através de modelos matemáticos.

Só depois da morte de Bertalanffy é que o pensamento sistêmico passou a se aproximar mais do pensamento complexo e por isso também é chamado de complexidade restrita.

Já o objetivo do pensamento complexo generalizado não é o de simplificar a realidade, tampouco o de resolver as questões, mas aprender a refletir e navegar em contextos não simplificáveis ou explicáveis. Ele não é um caixa de ferramentas, mas uma maneira de olhar para o mundo. Se alguma metáfora é possível, o pensamento complexo é um conjunto de lentes que permite olhar de diversas formas as mesmas questões.

Entende que não existem sistemas fechados e que as leis da vida não são de equilíbrio, mas de desequilíbrio, onde a inteligibilidade de um sistema está dentro e fora dele. Um sistema aberto é não-linear, imprevisível, sujeito a emergências e tem comportamento caótico.

É um pensamento não disjuntivo, não é um quebra cabeça em que juntamos as partes para chegar ao todo. É um tecido (e a palavra complexus tem esse sentido original) onde seus componentes se entretecem e, caso separados, deixam de ser o que são.

Reconhece a incerteza como um fator inseparável de qualquer sistema, mas, ao invés de tentar eliminá-la ou minimizá-la busca uma convivência pacífica com ela.

É dialógico, olhando para situações que são antagônicas e reconhecendo que a existência dos dois polos são complementares e não excludentes (talvez essa seja uma das suas características mais difíceis de aceitar em um mundo polarizado como o nosso). A gestão da complexidade é uma gestão de paradoxos.

É hologramático (e não holístico), enxergando que o todo reproduz as partes, mas que cada parte também contém o todo, simultaneamente.

Não tem a ilusão do controle, não acha que pode controlar ou influenciar resultados sobre os quais não tem poder.

Considera os sistemas como autopoiéticos, uma vez que interagem permanente com o meio exterior, fornecem e recebem elementos de auto-organização para continuidade dos processos.

Se você quiser saber mais sobre isso, recomendo a leitura de Pensamento Complexo do Humberto Mariotti, da Introdução ao Pensamento Complexo do Edgar Morin, só para entrar na brincadeira. Daí em diante é um oceano interminável de possíveis leituras.

Agradecimento: aos professores Humberto Mariotti e Cristina Zahuy pela revisão do texto

Descrição da imagem: um alho e um bugalho (que é um cisto que se forma em plantas)