Extraindo insights dos dados

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Fábio Adiron

Se você chegou até aqui já descobriu o caminho capturar, tratar, armazenar e digerir os dados. Você tem diante de você um painel cheio de informação e de métricas e está na hora de identificar o que é relevante para o seu negócio ou para o negócio do seu cliente

O que é um insight?

O termo inglês insight pode ser traduzido como entendimento e é a capacidade de obter uma nova compreensão sobre alguma coisa.

O termo que se consolidou no início do século XX nas teorias psicanalíticas fazia referência a trazer algo do subconsciente para o consciente. Algo que já estava armazenado no seu banco de dados mental e que você não estava percebendo.

A mente humana processa diariamente milhões de pensamentos, como se fosse um quebra cabeça com infinitas peças. Eles ficam passeando até que o encaixe acontece, duas ou mais ideias se conectam, trazendo resposta sobre determinada questão, isso é um insight, uma combinação de pensamentos.

Com os dados acontece a mesma coisa, o insight não é uma nova informação, mas uma maneira nova de enxergar a importância de uma informação que estava guardada com no meio de milhões de bits.

Por outro lado um insight precisa, obrigatoriamente, trazer uma nova visão sobre essa informação que você está analisando, traz uma maneira totalmente nova de pensar sobre determinado assunto.

Não é algo claro e evidente. Não é algo que cai do céu como se um raio desabasse repentinamente na sua cabeça. Infelizmente muitas das metáforas sobre o insight são superficiais e não refletem o esforço e a atenção para se chegar a ele.

Nem sempre é algo profundo e denso, pelo contrário, às vezes pode ser a percepção de uma solução muito simples, mas que seja relevante e, no nosso caso de negócios, que seja acionável.

O poder do insight

Poderíamos escrever um tratado complexo e extenso sobre o tema, mas vamos nos limitar ao poder do insight que os dados podem trazer para dentro das organizações.

Um autêntico avanço na geração de insights não é indeciso, vacilante em dúvidas sérias ou confuso pela incerteza. É um recurso poderoso e transformador.

É justamente nesse ponto que entram os dados.

A capacidade de lidar com eles do ponto de vista técnico é fundamental, sem dados organizados e que façam sentido para os objetivos estratégicos da empresa não se vai a lugar nenhum.

No entanto, é o olhar cuidadoso e experimentado que vai fazer com que toda essa informação permita a tomada de ações de melhoria de processos, incremento nos resultados de marketing e vendas e, até eventualmente, a geração de receita a partir dos próprios dados.

Onde está então, o poder do insight baseado em dados?

  1. Ele oferece perspectivas de mercado únicas e valiosas que não estão facilmente visíveis para quem só olha para a floresta sem distinguir cada uma de suas árvores e arbustos;
  2. É a bússola que ajuda a navegar no oceano de alternativas que estão disponíveis num mundo onde tudo virou multi alguma coisa;
  3. Funciona como um detector de metais que garante a segurança num campo minado de armadilhas lesivas às empresas;
  4. Educa sobre as novas questões que se colocam diante dos gestores e sobre novas possibilidades de gerar resultados
  5. Garante um sistema permanente de consultas e de aconselhamento para as organizações.

O insight é tudo sobre aprender novas formas de pensar, impelindo-nos a recalcular nossas perspectivas e abordagens atuais. Novas perspectivas sobre nossas necessidades mais prementes.

Algo que não só faça algum barulho, mas na verdade gere ação

Não é uma questão de genialidade, mas uma questão de treino. À medida que você se exercita você começa a percebê-los melhor.

Como se exercitar para encontrar insights

  1. A pergunta certa

O primeiro passo para identificar insights é saber exatamente que problema estamos querendo resolver. Qual é o desafio do negócio ou da marca?

Se você está dentro da empresa conhece profundamente o modelo de negócios dela, sabe onde gera receitas e onde perde dinheiro. Caso você seja um prestador de serviços, aprofundar-se nessas questões é imprescindível, além de um diferencial importante para o cliente.

Não basta apenas um bom briefing do cliente, é preciso conhecer o ramo de atividade, o que gera valor para o cliente final e onde estão os gaps a serem preenchidos para melhorar os resultados.

Fazer a pergunta certa é a chave que abre as portas para o insight pois, uma vez que o identificamos corretamente, nosso olhar estará focado para os dados que podem indicar o caminho para resolvê-lo.

O cuidado aqui é o de não confundir sintoma com causa senão a solução encontrada será apenas paliativa e o problema vai voltar de forma crônica.

A técnica dos 5 porquês é um dos caminhos mais simples e mais eficientes para se chegar ao problema raiz.[1]

Uma vez que você esteja com a pergunta bem definida, o segundo passo é começar olhar para os números que estão no seu dashboard e tentar identificar padrões.

Padrão é um valor que acontece de forma recorrente no tempo que pode balizar (servir de referência) a tomada de decisão, estabelecer metas e alvos.

Por outro lado, o risco de um padrão é o dele se tornar um paradigma que impeça a inovação e a criatividade, assim como gerar uma acomodação paralisante: “isso sempre foi assim…”, “é assim que nosso mercado funciona”.

Um padrão também pode ser um alerta. Quando você olha para sua base de dados e percebe que um fatia grande de consumidores fazem uma única compra e não voltam mais, algo está errado.

Quando olha para uma análise de churn e vê que uma parte significativa dos seus cancelamentos está concentrado em alguma fase do relacionamento com o cliente, está na hora de ver o que acontece nesse ponto do ciclo de vida.

É a hora de voltar para o começo e refazer as perguntas.

É comum a muitos negócios a existência de sazonalidade, há momentos de picos e vales nos resultados. Assim como é comum, em momentos de campanhas específicas, uma variação significativa nos números.

Muitas vezes, a própria sazonalidade é um padrão.

Porém não é incomum, quando olhamos para os nossos indicadores, acontecer de nos depararmos com valores “estranhos”, algumas vezes piores do que esperávamos e em outras muito melhores do que esperávamos.

Costumamos perceber e agir rapidamente quando os números são ruins e somente comemorar quando os números são bons. É a cultura estabelecida na maior parte das empresas e, claro, agir dessa forma é muitas vezes uma questão de sobrevivência do negócio.

Mas não despreze os números que estão acima da expectativa, especialmente aqueles que estão muito acima do valor esperado. Eles podem dizer muito a respeito das suas ações e podem mostrar oportunidades que não estavam aparentes.

Entenda como e porque eles aconteceram, extraia ensinamentos (insights) deles.

Alguns cuidados com valores fora do padrão

Nem sempre um valor fora do padrão vai ser transformado em um insight relevante. Alguns cuidados devem ser tomados antes de caçar culpados pelos números ruins ou acreditar em milagres diante dos números muito bons:

  1. Verifique se os dados foram lançados de forma correta – muitas vezes um “outlier” (ponto fora da curva) acontece por uma digitação incorreta ou uma fórmula mal estabelecida
  2. Investigue o contexto. Algum movimento incomum pode estar acontecendo no mercado e você não percebeu. Seu concorrente pode estar sem estoque e isso acelerou as suas vendas. Uma notícia pode ter provocado uma preocupação ou um estímulo para a sua categoria de produto.
  3. Cheque se a sua força de vendas não segurou ou não acelerou pedidos por algum motivo que você desconhece

Ainda que possa parecer óbvia a necessidade de se focar no problema que foi identificado não é sempre que isso acontece. Existem poucas coisas que provoquem tanta distração do que um painel de indicadores sofisticado e cheio de números.

As pessoas têm uma tendência natural a se perder no emaranhado de informações que dispomos nos dias de hoje.

Números, índices e gráficos que deveriam servir para auxiliar a leitura dos dashboards muitas vezes acabam se tornando um fonte de encantamento e de perda de atenção naquilo que realmente é importante.

Além disso, o excesso de simplificação na forma de apresentar os dados (baseado no paradigma de que as pessoas não tem tempo de olhar muita informação) também acaba se tornando um forma de enxergarmos apenas os sintomas e não as causas.

Resumindo

  1. Estabeleça de forma clara qual é o desafio do negócio
  2. Defina qual é a pergunta que deve ser respondida (qual é o problema-raiz)
  3. Dê especial atenção aos dados que podem responder à pergunta
  4. Identifique os padrões e mapeie quais beneficiam e quais prejudicam o negócio
  5. Dê especial atenção aos pontos fora da curva e fora de padrão
  6. Mantenha o foco na resolução do problema inicial

Validação dos insights

Muito provavelmente, seguindo o processo acima, você já chegou a uma série de possíveis insights. Liste-os e, num primeiro momento, não descarte nenhum deles antes de validá-los.

Os nossos processos mentais são cheios de vieses cognitivos e emocionais, os mais comuns são

  1. Viés de substituição de atributo: que é o de trocar a resposta de um problema mais complicado por respostas de problemas mais simples que parecem com o complicado
  2. Viés de disponibilidade: trabalhar baseado somente com a informação disponível, que pode ser muito limitada, especialmente quando é possível explorar mais os dados e, especialmente, buscar outras visões dentro da empresa em áreas que estejam, ou não, envolvidas no problema.
  3. Viés da ancoragem: analisar os dados a partir de uma referência fixa ou cultural do negócio e se ancorar nesse valor (frases do tipo: “no nosso mercado uma taxa de 15% de churn é considerada boa”)
  4. Viés da aversão à perda: é da natureza humana ser avessa a riscos, preferimos a segurança de perder pouco à possibilidade de ganharmos muito
  5. Viés do enquadramento: diz respeito ao contexto em que uma análise pode ser feita, muitas vezes estamos mais focado no resultado do que no processo. Não poucas vezes descobrimos que o problema raiz está no processo que afeta o resultado.
  6. Viés da retrospectiva: é se apegar a uma teoria sem identificar suas falhas e limitações e só admitir que estava errado quando a teoria não se comprovou e dizer que isso era previsível.[2]

Ao compartilhar os insights que teve com outras pessoas você tem a chance de identificar quais são melhores que outros e chegar a um short list mais confiável.

Mas cuidado, não adiante compartilhar com pessoas que pensem da mesma forma que você, a diversidade de opiniões é que vai permitir escolher os melhores.

Etapas da validação

Alguns aspectos devem ser considerados na validação final dos insights. Você pode atribuir a cada um desses aspectos uma nota, um score ou mesmo desenhar um framework de análise.

 AltaMédiaBaixa
Relevância   
Acionabilidade   
Viabilidade   
Mensurabilidade   
RelevânciaAltaMédiaBaixa
AcionabilidadeFácilMédiaDifícil
ViabilidadeSimplesMédiaComplexa
MensurabilidadeFácilMédiaDifícil
  1. Relevância

A relevância deve ser analisada em dois aspectos, a saber: a relevância para a empresa e a relevância para o cliente final

Do ponto de vista da empresa o insight pode efetivamente solucionar o problema identificado? A solução vai trazer benefícios superiores ao esforço de implantação da mesma?

Do ponto de vista do cliente final o insight pode agregar valor ao seu relacionamento com a marca ou produto? Tem uma probabilidade alta de mudar o comportamento do cliente final?

Se a resposta para essas perguntas for negativa, descarta-se a ideia.

Insight que tenha pouca ou nenhuma chance de se transformar em uma ação não tem nenhuma utilidade.

Por outro lado, eventualmente descobre-se que o que impede um insight de torna-lo acionável é o que, de fato, é o problema raiz. Se não for acionável por resistência à mudança, o problema raiz é a cultura da empresa. Se não for acionável porque os processos impedem, então o problema raiz é o processo.

É fundamental uma análise de custo-benefício do insight e sua possível solução. Nenhum negócio trabalha com orçamentos ilimitados e pode ser necessária uma engenharia econômica para optar por ele.

O cuidado aqui, é o risco do viés de aversão à perda. Olhar para os custos de implantação sem ponderá-lo em relação aos ganhos que serão obtidos.

Toda nova ideia deve carregar consigo a forma de avaliar os seus resultados que podem ser desde as métricas que provocaram o começo do processo até novas formas de avaliar a questão (até porque a ação decorrente do insight pode gerar novos dados que realimentarão todo o processo).

Independentemente disso, sempre é recomendável fazer uma análise financeira específica da implantação da mudança que contemple:

  1. O break-even: ou seja, qual é o resultado mínimo que preciso ter para a ação se pagar
  2. O pay back: em quanto tempo o investimento na mudança vai se pagar
  3. O retorno sobre o investimento (ROI): quanto que a mudança gerou de margem adicional comparada ao investimento em implantá-la.

Em busca da rachadura perdida

Faz parte da nossa natureza nos incomodarmos com defeitos, mais do que nos agradarmos com o que é bom, a isso se dá o nome de enfoque deficitário. Fomos criados para acreditar que o certo nada mais é do que uma obrigação e que o errado precisa ser corrigido.

A nota baixa em uma matéria na escola faz com que todas as outras notas boas percam seu significado. Uma falha em um relacionamento pessoal, não poucas vezes, é suficiente para destruí-lo, apesar de todo resto que tem de bom.

Não é diferente dentro do mundo dos negócios. Buscamos obsessivamente as rachaduras nas paredes para poder fechá-las, cobri-las com massa corrida e renovar sua pintura e, nem sempre, investigar as causas que as provocaram.

Em um mundo de aparências, é mais importante a parede lisa do que a preocupação com o a solidez das estruturas.

Até o dia em que a parede desaba.

Em 1992, o músico canadense Leonard Cohen, lançou seu nono disco de estúdio, chamado “The future”. Dentre as muitas pérolas do poeta, a música “Anthem” trazia a frase “em tudo existe uma rachadura, é como a luz entra”.

No contexto em que vivemos, a frase nos fez pensar sobre a questão de inovação no mundo dos negócios.

Ao escrever o livro “Desvendando a cadeia de valor”, o professor Thales Teixeira dá um passo adiante nos conceitos de inovação disruptiva de Clayton Christensen, ao apontar que devemos buscar oportunidades de inovação nos processos onde existem rachaduras.

Inovar não é só melhorar aquilo onde somos bons, mas encontrar em nós mesmos, ou no modelo de negócio em que estamos inseridos, o ponto, ou os pontos onde os clientes estão infelizes.

Teixeira mostra que as inovações disruptivas recentes surgiram quando novos entrantes perceberam as rachaduras por onde a luz entrava, e se apropriaram delas, roubando das grandes empresas um pedaço das atividades de seus clientes.

Enquanto os conservadores se incomodavam com o buraco na parede, os inovadores se atentavam para o que essas frestas lhes traziam de oportunidades. Os primeiros tapavam buracos, os últimos se alimentavam da luz.

O momento é o de inspeção geral no prédio. A busca constante de novos fachos de luz é o que define o profissional inovador.

O demais continuarão sendo tapadores de buracos.

À guisa de conclusão

Para encerrar, fica uma historinha que, apesar de fictícia e exagerada, reflete um pouco da realidade que encontramos por aí:

Ora métricas!

Estudando um pouco mais sobre métricas em marketing, um assunto ao qual me dedico há muito tempo, encontrei um texto que lista 117 métricas diferentes. Sim, você não leu errado, nem foi erro de digitação. Cento e dezessete!

As empresas estão se afogando em dados e, quanto mais informação, sem filtro ou análise, maior a geração de tabelas, planilhas, dashboards e outros que tais. Fiquei imaginando a cena abaixo:

O jovem analista de BI da empresa entra na sala do diretor comercial e de marketing com um largo sorriso:

“- Chefe! Lembra daquele sistema de reconhecimento facial que colocamos na loja?”

“- O sistema de prevenção de roubo e fraude? O que é que tem?”

“- Fiz uma descoberta espetacular. Baixei um app chamado ´Esse seu olhar´ e veja só o que eu descobri…

O chefe, empolgado com a proatividade do rapaz, tira os olhos da tela do computador e presta atenção. O jovem continua:

“- Descobri que 50% dos nossos clientes usam óculos e 15% usam lentes de contato. Do que usam óculos 32,1% são míopes, 25,7% tem hipermetropia, os demais usam multifocais. Além disso, mais da metade ainda tem astigmatismo. Infelizmente o software do app ainda não é tão preciso para identificar o problema ocular dos que usam lente…”

Mesmerizado, o diretor responde:

“- E daí…??”

“ – Como, e daí chefe? O senhor não percebe as possibilidades dessa métrica?”

“ – Sinceramente não. Nós somos uma loja de bebidas, o que a acuidade visual dos nossos clientes tem a ver com as vendas? A menos que você tenha identificado alguma correlação entre miopia e consumo de vodka, que os sem óculos são mais fiéis ou que os astigmatas só bebem vinho, não vejo nenhuma utilidade para esses números…”

“ – Chefe, já imaginou o senhor como palestrante em algum evento desses sobre transformação digital, com um powerpoint super produzido, falando sobre isso?  Pode contar sobre o potencial disruptivo da descoberta e das possíveis sinapses do último terço.”

“ – E se me perguntarem para que eu uso isso?”

“ – O senhor pode dizer que ainda não pode divulgar essa informação, mas que será algo que vai mudar o mundo do varejo de bebidas.”

O chefe balançou a cabeça, pegou o telefone e falou com a gerente de RH:

“- Fulana, me faz um favor, providencia a transferência do Beltraninho da área de BI para o setor de embalagens e empacotamento…”

Fim de cena.

Em um mundo capitalista como o nosso, temos produzido uma infinidade de indicadores que estão longe de dizer algo para o bolso dos acionistas, mas que são bonitos, especialmente se apresentados em dashboards cheios de truques e de cores.

Nesses momentos sempre me vem à cabeça o artigo de Bassam Salem, Choosing Metrics That Drive Performance:

A mais importante das métricas de uma empresa é aquela que mede seus resultados de negócios, e isso geralmente é expressado em dinheiro – quanto faturei? Qual foi meu lucro? Quanto vou distribuir de dividendos para os acionistas. É a métrica do passado e do presente.

Depois dela, importam as métricas preditivas, que vão orientar a empresa para o futuro que, combinadas com as métricas de comportamento (especialmente do mercado consumidor) podem dirigir a empresa para algum tipo de inovação.

Por fim as métricas operacionais, que podem indicar os motivos do sucesso ou do fracasso das métricas de resultados.

O resto?

Bem, o resto é pura pirotecnia – gera um belo espetáculo, mas não serve para ganhar a guerra.


[1] https://ferramentasdaqualidade.org/5-porques/

[2] Se quiser se aprofundar mais nesse tema sugerimos a leitura de “Rápido e Devagar” de Daniel Kahneman