Virginia Fantoni
Albert Mehrabian, nascido em 1939 no Irã, professor de psicologia na Universidade da California, só não está se revirando no túmulo porque ainda não morreu, se bem que, se a falácia continuar, ele logo desistirá da luta e trocará a árdua tarefa de se explicar pela quem sabe mais árdua tarefa de tentar iluminar inúmeros professores, palestrantes e leigos para que, de uma vez por todas, parem de divulgar a fake news que diz o seguinte:
“Na comunicação interpessoal, a mensagem é composta da seguinte maneira:
Portanto, vamos dar mais atenção à linguagem não verbal, pois representa 93% da nossa mensagem!”
Soa muito lindo. Números, porcentagens, são atraentes. Fáceis de entender, de lembrar e, infelizmente, de espalhar, sem ao menos parar para pensar.
Imaginem que maravilha seria assistir um filme estrangeiro, de preferência iraniano, em respeito ao professor, sem legendas?!?
Só prestando atenção na linguagem corporal e no tom de voz, captaríamos 93% do sentido! (Muitos tradutores ficariam sem trabalho, inclusive todos os apps digitais de tradução).
O professor Mehrabian, no seu livro “Silent messages: Implicit communication of emotions and attitudes.” Belmont, CA: Wadsworth , mais especificamente no capítulo “The Double-Edged Message”, descreve dois estudos que ele realizou para comprovar a importância da linguagem não-verbal na comunicação.
No primeiro estudo, Decodificando Comunicações Inconsistentes[1], ele apresentou três imagens diferentes (fotos em preto e branco) a um grupo de 17 mulheres. Cada uma representava uma emoção: positiva, negativa ou neutra. Elas deviam identificar essa emoção. Depois colocou um áudio com a mesma palavra “maybe”, dita com três entonações diferentes (também positiva, negativa ou neutra). Ele concluiu que as pistas visuais (expressões faciais) apresentavam um resultado mais preciso que o áudio, numa proporção de 3:2.
O professor, que além de psicólogo era engenheiro, media tudo com cálculos, fórmulas e equações.
Num outro estudo, “Inferência de atitudes a partir da comunicação verbal em 2 canais[2], juntou um grupo de 30 estudantes da UCLA e os fez ouvir três grupos de palavras pronunciadas com tons de voz diferentes. Dividiu os alunos em três grupos. O primeiro deveria ignorar as palavras e focar no tom de voz. O segundo, ignorar o tom de voz e focar na palavra. O terceiro, focar no tom de voz e na palavra. Concluiu que o tom de voz é um indicador mais forte de emoção do que o significado real da palavra.
Sua conclusão: nas mensagens que envolvem emoções, quando houver incongruência entre a mensagem verbal e a não verbal, a última terá muito mais peso do que a primeira (o que é comprovadamente correto). Disso dependerá o nível de credibilidade do emissor.
Estes estudos envolviam SENTIMENTOS e ATITUDES. Portanto, se referiam a mensagens com carga EMOCIONAL. Não qualquer tipo de comunicação, como é amplamente divulgado.
Esta desproporção entre a linguagem verbal e a não verbal é notada quando a mensagem é ambígua (incongruente). O próprio Mehrabian afirma: “Credibilidade (liking) total= 7% credibilidade verbal, 38% credibilidade vocal, 55% credibilidade visual”
“Se a pessoa não estiver falando de sentimentos e atitudes, esta regra não se aplica.”
Estas conclusões têm sido criticadas quanto à sua validade e aplicação prática, pois foram tiradas sob condições muito específicas: envolviam somente mulheres, lidavam com emoções e palavras limitadas. Quem sabe num espectro de emoções mais amplo e com linguagem mais complexa, os resultados não fossem diferentes. O estudo se baseou numa única gravação. Foram consideradas somente expressões faciais, sem levar em conta o resto da linguagem corporal (postura e gestos).
Outros estudos feitos posteriormente chegaram a conclusões diferentes. Inclusive como o tom de voz “flat” (monocórdico) pode influenciar 4 vezes mais que as expressões faciais. (Citado em BAOFU, Peter. The Future of Post-Human Performing Arts , pág 136. Cambridge Scholars Publishing, 2012)
Não há dúvida quanto à importância da linguagem não-verbal na comunicação em geral e o quanto está sendo perdido na comunicação de hoje baseada principalmente na palavra escrita, nos obrigando a ir atrás de uma escolha de palavras mais rigorosa, e à procura de emoticons e gifs que transmitam aquilo que a palavra escrita não consegue transmitir.
Entretanto, espalhar aquilo que nos impressiona, sem checar as fontes e, principalmente, sem parar para pensar, é falsidade intelectual. Além de ser injusto com quem nos ouve, que pode acreditar que sabemos o que estamos dizendo.
Não estou sozinha nesta investida, coloco um link de uma palestrante do TED que menciona a regra de Mehrabian na sua essência, e que, pela primeira vez, me fez bater palmas, mesmo estando sentada na frente da televisão.
Mehrabian,
você não está sozinho. Temos que ter esperança.
[1] Mehrabian, Albert; Wiener, Morton (1967). “Decoding of Inconsistent Communications”. Journal of Personality and Social Psychology. 6 (1): 109–114.
[2] Mehrabian, Albert; Ferris, Susan R. (1967). “Inference of Attitudes from Nonverbal Communication in Two Channels”. Journal of Consulting Psychology. 31 (3): 248–252