Nós que não se desatam

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Os marinheiros são reconhecidos, dentre outras qualidades, pela sua capacidade de fazer nós. Eles conhecem o processo, a técnica e, de certa forma, o espírito dos nós.

Portanto, não chega a ser uma surpresa que um oficial da marinha seja habilidoso na arte de atar e desatar nós. Quando além disso é um mestre da psicanálise e também alguém que sabe lidar de forma competente com as palavras, o resultado é uma excelente ponte entre os nós e o comportamento humano.

“Os três elos de um nó”[1], artigo e tema de palestras do Haendel Motta, define a existência de cada ser com um entrelaçamento da mente, do corpo e das pulsões, em que pese a nossa eterna tentativa de olhar para esse elos de forma disjuntiva.

A mente que descreve o corpo como um objeto independente dela, constatação feita a partir da análise do discurso e da estrutura simbólica da linguagem no melhor estilo lacaniano, ou na separação cartesiana entre mente e todo o resto.

Mas não para por aí, se a mente e o corpo já conversam pouco entre eles, ainda surge um terceiro elo para deixar o nó ainda mais enroscado, o elo das pulsões mencionado por Freud, refletindo o conceito de afetos que Espinoza elaborou 300 anos anos antes do pai da psicanálise, e depois de Freud já recebeu de outros pensadores os nomes de vontade, desejo ou paixões.

Morin já explicava que a humanidade surge de uma pluralidade de trindades e vive na justaposição dessas trindades, ainda que em nenhuma delas destacasse o corpo como uma delas, a mente (razão) e os afetos e a pulsão estavam na sua lista[2]

O pianista Alfred Brendel, ao se referir aos sons, também estabelece sua trindade: o aspecto fisíco do som, a sua percepção sensorial e o seu efeito sobre os sentimentos. Não é por acaso que o número 3 na tradição judaico-cristã está associado à plenitude (na Bíblia ele aparece quase 500 vezes e em circunstâncias muito além da trindade divina do cristianismo)[3]

Mas não apenas as religiões oriundas do ramo judaico cristão são baseadas na trindade: Brahma, Vishnu e Shiva (hindu), Osíris, Hórus e Ísis (egípcia) e até Guaraci, Rudá e Jaci (tupi-guarani). O mesmo princípio rege a Lei de Três, doutrina que determina que, para existirem, todas as coisas necessitam de três forças: a ativa, a passiva e a neutralizante. Essa terceira força, fruto das outras seria a força criadora.

Não é com esse princípio ativo/passivo/neutralizante, que o Haendel apresenta a sua trindade, ele coloca a pulsão como a parte incontrolável, imprevisível e incerta da nossa existência complexa.

Em um mundo de pensamento doente, cujos sintomas, definidos pelo Daniel Bohm, são o imediatismo, a superficialidade e o simplismo[4], a cada dia é mais difícil que as pessoas lidem de forma saudável com a complexidade, não é à toa a epidemia de distúrbios emocionais em que vivemos.

Os brucutus continuam a desatar os nós com suas espadas. Os sensatos aprendem a lidar com eles.


[1] ARANTES, Haendel Motta. Os três elos de um nó. Revista do Clube Naval 375. Rio de Janeiro.

[2] As trindades de Morin são: indivíduo/sociedade/espécie; cérebro/cultura/espírito; razão/afetividade/pulsão in MORIN, Edgar. A humanidade da humanidade. O método vol 5. Editora Sulina. Porto Alegre. 2002

[3] CHEN, Christian. Os números na Bíblia. Betânia. Venda Nova. 1986

[4] MARIOTTI, Humberto. Pensamento complexo. Editora Atlas. São Paulo. 2007