Em que pese todo o discurso sobre o assunto, seja em plataformas profissionais como o LinkedIn, seja na mídia especializada em negócios, o cliente – esse cara responsável pelo pagamento dos nossos boletos – continua sendo um mero detalhe no cotidiano das empresas.
O sempre lembrado Comandante Rolim, as ações[1] cada dia mais valorizadas do Jeff Bezos, o caminhão de narrativas[2] de ações de encantamento não passam de discurso para a visualização dos nosso amigos britânicos. Na prática, diria o Joelmir Betting, a teoria é outra.
Encantamento do cliente, marketing de experiência, foco no cliente (ou foco do cliente como preferem alguns) tornam-se apenas um punhado de livros na estante que servem de fundo para a reuniões no Zoom. Junto com os demais em inglês (customer experience, customer centric, customer success), afinal em inglês é sempre mais chique.
A cultura é outra
A cultura come a estratégia no café da manhã[3], é a sobremesa do almoço e o drink da happy hour no fim da tarde.
Provocados a responder qual era o grande desafio que suas empresas tinham em relação ao relacionamento com clientes, dezenas de profissionais de diversos ramos de atividade mencionaram processos internos, estrutura de vendas, infraestrutura tecnológica, concorrência e outros aspectos internos do modelo de negócios. Raríssimos foram aqueles que mencionaram algo do ponto de vista do cliente.[4]
Seja em produtos ou serviços, B2B ou B2C (ou B2B2C), bens de consumo ou bens de capital, negócios tradicionais ou start-ups. O resultado é sempre o mesmo: o cliente é um detalhe com o qual a empresa tem de conviver e que, geralmente, só causa problemas.
Empresas foram criadas e estruturadas em torno de um produto (ou serviço) e sobre esses alicerces ergueram seus prédios organizacionais (alguns barrocos, outros minimalistas). A cultura que permeia todos os andares do edifício está impregnada dessas origens.
Por mais que se fale (há mais de meio século) que o cliente é estratégico, a cultura organizacional sempre vence.
Perguntas sem resposta
Experimente fazer algumas perguntas indiscretas para as empresas. Você vai ouvir generalidades, definições vagas e diversionistas.
Quem é o seu cliente? Poucas se atrevem a ir além de suposições demográficas, quando não caem nos chavões geracionais.
Qual problema do cliente seu produto resolve? Você vai saber todas as características do produto, seu inovador processo de produção e distribuição, seus diferenciais em relação à concorrência e, quando a resposta é mais sofisticada até seu posicionamento de preço relativo no mercado.
Por que as pessoas compram (ou não compram) o seu produto? Mistério absoluto, não lembro de nenhuma boa tentativa de resposta desta questão. Se não compram é porque o concorrente faz guerra de preços.
Qual é o processo de compra dos clientes? Todos sabem responder como funcionam os processos de vendas, mas a tal da jornada de cliente é , com raras e honrosas exceções, desconhecida. Como descobrem o seu produto? Como pesquisam e comparam? Como decidem a aquisição dele? Como usam? Como e porque o descartam depois de um tempo?
Em qual ponto da jornada o cliente tem mais dificuldade? Pergunta irrespondível para quem não conhece a jornada, mas também nem sempre conhecida por aqueles que sabem qual é a jornada do cliente.
Sem solução
Não sabendo responder as perguntas é impossível solucionar quaisquer que sejam os problemas dos clientes.
E, de novo, caímos na vala comum de remodelar processos, estrutura interna, qualidade de produtos e rever custos. Ou trocamos o técnico do time, ou o time inteiro.
Criam-se squads de design thinking, de agile, de sprint, de lean[5] (todos em inglês, é claro) para repensar o negócio –deixando esse estorvo do cliente de fora.
E a estratégia volta a ser o repasto da cultura.
Solução?
Você talvez esteja esperando que eu conclua meu texto uma fórmula mágica para resolver todos os seus problemas.
Não sou guru, nem represento as organizações Tabajara para fornecê-la. Até porque, à essa altura do texto você mesmo já deve ter concluído quais são a respostas (eu acredito na inteligência dos meus leitores)
Mudar uma cultura é um trabalho hercúleo, mas não impossível. Abandonar um discurso bonitinho e migrar para uma prática real também não é fácil. São ações que demandam tempo e sacrifício, mas são as únicas que posso propor.
Ah…e antes que você me pergunte. O último lugar é ocupado pelos fornecedores, mas essa é outra história.
[1] Duplo sentido intencional
[2] Sim! Existe uma palavra na língua portuguesa para storytelling
[3] Frase clássica de Peter Drucker
[4] Levantamento que faço habitualmente nas minhas aulas
[5] Maiores informações visite a Wikipedia