O Federer que não existe em você

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Fábio Adiron

Uma parábola

Vamos partir de uma pressuposição simples: você resolveu deixar a sua vida sedentária e ser um tenista. Como é um sujeito motivado por frases de efeito e ambicioso, você não vai ser um tenista qualquer, você decidiu ser o melhor tenista do mundo. Querer é poder, não é mesmo?

Claro que você estabeleceu um plano e suas metas, seja usando BSC, KPI ou OKR (o Zoroastro Esteves que me perdoe a heresia). Vai levantar todos os dias às 4 da manhã para ganhar vantagem competitiva em relação a seus futuros adversários e passará a manhã assistindo a todos os jogos da ATP dos últimos anos (WTA, caso você seja uma mulher).

Durante a tarde vai pesquisar sobre tecnologia de raquetes, encordoamentos, calçados especiais para o jogo e bolinhas. Depois de gastar o dinheiro da sua aposentadoria nessas ferramentas vai treinar secretamente (sigilo absoluto é fundamental para o fator surpresa) na parede do seu quintal. Um legítimo autodidata.

Considerando que dormir é para os fracos, dedicará suas noites lendo a biografia dos maiores jogadores da história.

Com toda persistência resiliente você se sentirá pronto para se lançar no mercado. O inovador disruptivo do universo esportivo e, como tal, se inscreve no seu primeiro torneio, apenas lamentando que vai ser obrigado a jogar contra amadores pois seu “application” para a chave principal de Wimbledon foi recusado.

Seu primeiro adversário é um jovem magrinho que parece mal ter forças para segurar a raquete, baita reforço para sua autoestima. Para completar, ganha o sorteio e começa sacando.

No primeiro game você comete 4 duplas faltas em seguida e perde o primeiro ponto. No saque do adversário, quando consegue rebater é para fora ou na rede. E assim sucessivamente durante os doze games jogados: 0/6-0/6. Seu único ponto acontece no único saque que acerta, e seu oponente nem estava olhando para a bola.

Eliminado você vai para casa tentando entender o que aconteceu e, claro, atribuindo ao juiz de cadeira, à quadra mal nivelada e às bolinhas de 3ª categoria usadas no torneio toda a culpa do seu fracasso.

A vida como ela é

Se você achou essa história absurda ou surreal é bem provável que não acompanhe com frequência alguns discursos sobre profissão e carreiras nas redes sociais.

Todos os dias alguém defende a ideia de que um bom profissional não precisa de formação. Que fundamentos são coisas teóricas com as quais não é necessário perder tempo. Que todo aprendizado útil acontece “on-the-job”. Que as grandes sacadas são mais importantes que processos estruturados. Que toda a informação que alguém precisa para ter sucesso está disponível na internet e as escolas são dispensáveis.

Costumam desprezar o conhecimento formal, ridicularizar quem estuda os fundamentos teóricos de uma disciplina, ignorar solenemente os estudos acadêmicos  e acreditam que desenvolvimento contínuo é só para os fracos de espírito.

E caçam likes falando mal de escolas e/ou de professores.

Pessoas que acreditam que ler biografias dos grandes empreendedores vão lhe ensinar tudo que precisam para replicar esse sucesso. Que basta seguir as fórmulas mágicas dos influencers para se dar bem na entrevista de emprego, no relacionamento com os superiores, para ser um líder inconteste e admirado.

Alguns chegam a pagar para receber os e-books e assistir aos cursos rápidos que prometem, ao mesmo tempo, o segredo da pedra filosofal e a localização exata do Santo Graal.

O que enriquece os influencers que depois vão vender suas biografias falando da sua fortuna, mas nunca das virtudes, como diria o Nicola, uma vez que não as possui.

Na hora do jogo

Os tenistas da gestão empresarial que se formam com essas fórmulas também se intitulam autodidatas.

Só que, na hora do jogo, também levam as suas surras (ou pneus, como se fala popularmente no tênis).

Ao se defrontarem com as primeiras dificuldades no mundo do trabalho descobrem que não sabem por que fazer algumas tarefas (não tem os fundamentos), não sabem como fazer (não tem treinamento) e não sabem como lidar com o insucesso.

Também atribuem seus fracassos a fatores externos. A empresa é engessada, os líderes são autocráticos, os colegas são incompetentes e os clientes não sabem o que querem.

Depois de 3 ou 4 derrotas fragorosas no mundo empresarial eles resolvem mudar de jogo. Não disputarão mais as partidas, serão técnicos – ou, em bom português: coach. E aí começam as vender e-books e fazer vídeos ensinando como fazer aquilo que eles nunca conseguiram fazer de verdade.

Em quem confiar?

Se você está nesse ponto da sua carreira, permita-me lhe dar alguns conselhos

  1. Não despreze o conhecimento acumulado pela humanidade. Se a raça humana conseguiu sobreviver até agora, algo deve ter de útil naquilo que fizeram
  2. Ao invés de gurus, procure ter professores que saibam como as coisas funcionam (ou não funcionam).
  3. Professores que são também profissionais da área costumam oferecer uma boa combinação de teoria e prática.
  4. Isso não significa que os que fizeram carreira acadêmica não tem nada a oferecer, pelo contrário, é gente que estuda seus assuntos profundamente e há muito tempo.
  5. Tenha a humildade de começar pelo começo. Atalhos são o melhor caminho para você se perder ou sofrer um acidente.
  6. Seja crítico de qualquer lista de regras. A começar desta.

Alguns exemplos.

Pesquisando a lista dos donos das 10 maiores fortunas do mundo, publicada no começo desse ano, descobri que apenas um deles não chegou a completar a faculdade – Bill Gates. Só que a faculdade que ele não completou foi Harvard, ou seja, ele deve ter estudado muito para conseguir chegar lá.

Por outro lado, na hora de contratar seu primeiro diretor administrativo – Steve Ballmer – Gates foi buscá-lo em Harvard onde Ballmer se graduou magna cum laude.

Todos os outros 9 tem uma formação universitária tradicional (muito tradicional, diga-se de passagem). Elon Musk só deixou a universidade quando estava fazendo doutorado em física em Stanford.

Ah…o Roger Federer começou a jogar tênis com 8 anos, segundo o livro Das Tennis-Genie: die Roger-Federer-Story, seu maior destaque foi uma contínua evolução. Chegou à sua primeira final de ATP aos 17 anos, perdeu. Assim como perdeu muito até os 19 anos quando ganhou seu primeiro torneio. Depois disso não parou mais e, ainda hoje, aos quase 40 anos, ainda é considerado um dos big four.