O país do futuro

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O país do futuro[1]

Muito se fala sobre “o futuro do varejo” mas pouco se fala sobre “o varejo melhor, hoje”. (Christian Abramson no LinkedIn)

Em 1941 o escritor austríaco Stefan Zweig, imigrante fugido do nazismo e radicado em Petrópolis, escreveu o livro que se tornou em epíteto nacional: “Brasil, o país do futuro”.

O livro é uma grande loa às maravilhas de um país que o deslumbrava pela sua beleza e por suas riquezas naturais. Zweig morreu em 1942 mas, diferentemente de muitas leis tupiniquins, a expressão “pegou”.

Não só “pegou” como tornou-se parte do inconsciente coletivo. A eterna esperança de que as coisas não estão bem, mas o futuro será melhor.

Multiplicou-se em outros conceitos que conhecemos bem. Primeiro precisamos fazer o bolo crescer para depois dividir. Pior do que está não fica. E, como bem citou o Christian Abramson, na nossa recorrente necessidade de debater sobre o futuro dos negócios.

O futuro do varejo, o futuro da indústria, o futuro do trabalho, o futuro pós-pandemia. Talvez fosse melhor ressuscitar a Bolsa de Mercadorias & Futuros (que foi incorporada à B3) e deixar que ela gerisse a economia nacional no lugar do Bacen e outras instituições menos futuristas.

Aproveitando essa mentalidade, que não deixa de ser uma forma de procrastinação, surgiram hordas de futuristas. Gente que sabe muito bem o que ainda vai acontecer, mas não tem soluções para o presente. Até porque o presente é muito banal para profetas, oráculos e cristalomantes.

Existem ainda alguns casos mais exóticos, o de pessoas e empresas que se dizem já estar no futuro, quando ainda nem estão no presente. O caso mais recente desse comportamento se reflete na pesquisa da MMC Ventures[2] identificou que, em um universo de 2.830 empresas que afirmam já trabalharem com inteligência artificial, 40% delas não tem nenhum algoritmo em seus sistemas, ou seja, não tem inteligência artificial nenhuma.

Claro que não podemos olhar para o futuro sem considerar que a mente humana é repleta de vieses. Não é o caso de citar todos os analisados por Kahneman[3], mas alguns em particular afetam diretamente as nossas previsões.

O primeiro é decorrente da nossa natural tendência a tentar simplificar o complexo. A substituição de atributos ocorre quando um indivíduo tem de fazer um julgamento (de um atributo de destino) que é complexo e substitui um atributo que seja mais facilmente compreendido. Qual é a probabilidade de um evento inesperado acontecer? Não é possível responder, pelo menos sem se comprometer com uma afirmação arriscada, então diz-se que seria algo surpreendente caso acontecesse.

O viés da disponibilidade é um atalho mental que se baseia em exemplos imediatos que chegam à mente de uma determinada pessoa ao avaliar um tópico, conceito, método ou decisão específica. As pessoas realmente não estão cientes de informações que eles não têm. A ideia é que se pegue qualquer informação que se tenha e faça a melhor história possível com essa informação. E as informações que não tem achamos desnecessárias.

Já o enquadramento refere-se ao contexto em que uma decisão é tomada, ou o contexto em que uma decisão é colocada, a fim de influenciar essa decisão. Assim são as pessoas excessivamente focadas no resultado em detrimento do processo.

E, como não poderia deixar de ser, o viés de retrospectiva, que também poderíamos chamar de viés da profecia realizada, que é a inclinação, após um evento ter ocorrido, de ver o evento como sendo previsível, apesar de ter havido pouca ou nenhuma base objetiva para predizer isso.

O nosso presente está cheio de problemas que, se corrigidos, podem nos direcionar a um futuro melhor, mas mesmo assim, cheio de incertezas e de eventos emergentes que podem virar tudo de cabeça para baixo, especialmente os fatores exógenos que estão fora do nosso controle.

Precisamos de mais pessoas capazes de lidar com a complexidade (que é diferente de complicação) dos nossos sistemas. E isso representa muito mais do que a dicotomia entre especialistas e generalistas. Ambos podem se enquadrar em todas as hipóteses acima.

Pensar no futuro é necessário? Certamente é, para isso os planejadores analisam cenários (o que é bem diferente de decretar taxativamente o que vai acontecer). Aliás, bons profissionais de planejamento são aqueles que estudam o passado e o presente para tentar construir um mundo melhor, mas são apenas seres humanos sujeitos a erros, diferente dos sempre corretos futuristas.

Gente que pense o hoje para construir um amanhã.

E gente que reconheça que um “galo sozinho não tece uma manhã”, como bem preconizava o poeta João Cabral de Melo Neto.[4]


[1] Com a inestimável colaboração de Rodrigo Correa e Christian Abramson na leitura, comentários e sugestões.

[2] About 40% of Europe’s “AI companies” don’t use any AI at all. Disponível em https://www.technologyreview.com/2019/03/05/65990/about-40-of-europes-ai-companies-dont-actually-use-any-ai-at-all/

[3] KAHNEMAN, Daniel. Rápido e devagar. Objetiva. São Paulo.2012

[4] Para ler o poema todo: https://www.escritas.org/pt/t/11508/tecendo-a-manha