O rei está nu

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dedicado ao André Nardy que deu o mote

Eu cresci lendo contos dos irmãos Grimm, fábulas de La Fontaine, histórias de Monteiro Lobato e, claro, as narrativas de Hans Christian Andersen, dentre elas “A roupa nova do rei” (algumas traduções usam imperador).

O conto, caso você não tenha tido os mesmos privilégios literários que eu tive, conta o seguinte: um bandido foge da sua terra e ao chegar em outro reino se diz alfaiate, mas não um alfaiate comum, ele consegue tecer e costurar uma roupa que só as pessoas inteligentes conseguem ver (na história original em que Andersen se baseou, do “Libro de los ejemplos” de 1352, ao invés de inteligentes dizia que só os os filhos legítimos de seus pais conseguiriam ver).

O rei, encantado com a possibilidade de vestir uma roupa com tais poderes, encomenda a sua ao suposto alfaiate e, para isso o bandido recebe uma série de tesouros para fazer a roupa que ele, obviamente, guarda para si enquanto tece a roupa “invisível”.

Nem o rei, nem nenhum dos que o veem trabalhando admitem que não estão vendo nada, o que demonstraria a sua estupidez, pelo contrário, cobrem o alfaiate de elogios pelo trabalho que está fazendo.

Quando a roupa fica “pronta”, o rei resolve desfilar com ela pelas ruas do reino, ainda que a tenha achado muito leve. Toda população fica admirada com a vestimenta, exceto uma menina inocente que ao olhar a cena grita: o rei está nu!

Nosso mundo de negócios está repleto desses alfaiates, fazedores de hype que competem pelo futuro, usando as palavras de Prahalad. A cada nova possibilidade de ganhar os tesouros que os reis (e o mercado) vão disponibilizar para costurar uma nova roupa, saem tecendo aquilo que desconhecem e que não existe.

Claro que, esse conteúdo invisível só poderá ser apreciado por aqueles que forem suficientemente inteligentes, antenados e alinhados com as mais fabulosas tendências de tecnologia, gestão e outros trending topics do momento. Quem não percebe isso são só as pessoas desinteligentes ou que não possuem “visão estratégica”.

Os mesmos inteligentes só vão perceber que algo está errado e no engodo em que caíram quando alguém grita que o rei está nu. Nesse momento, o bandido alfaiate já está longe do reino, vendendo novas roupas invisíveis para mais uma corte onde a vaidade suplanta a realidade.

Descrição de imagem: desenho do cortejo do rei, nu, seguido por soldados e cortesãos.