O X da questão é o C

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Quando em 1967, ou seja, há 53 anos, Philip Kotler sistematizou teoricamente o marketing no seu “Administração de Marketing”, ele já definia a prática como a de atender as necessidades dos consumidores com uma oferta de valor que fosse relevante para eles.

Eu comecei a estudar marketing em 1981 e a recomendação do meu primeiro professor dessa matéria na faculdade, que era o Walter Longo, era de encostar a barriga no balcão e entender os clientes, sem o que era impossível ser um bom marketeiro.

Dez anos mais tarde, quando entrei de cabeça no marketing com dados (na época chamado de Database Marketing), a proposta era a de ter uma visão única do cliente para poder atendê-lo de forma relevante (de novo essa palavrinha mágica)

Na esteira do marketing com dados vieram o marketing de relacionamento, os programas de fidelização, o marketing de experiência, a gestão de relacionamento com cliente (CRM), o marketing one-to-one…

No começo do milênio, com a internet já bem desenvolvida, muitos diziam que finalmente tinha chegado o momento de entregar valor para o cliente de uma forma única e personalizada.

A internet migrou para os smartphones, especialmente a partir do primeiro Iphone em 2007. Proliferaram os aplicativos de todos os tipos e categorias de serviços.

Toda essa tecnologia gerou uma avalanche de dados. Nunca tivemos a oportunidade de saber tanto sobre qualquer pessoa.

Mesmo assim, são poucas as empresas que realmente sabem o que os seus clientes valorizam.

Por que isso acontece? Por que não conseguimos ser realmente relevantes para os clientes? Por que não geramos mais resultados a partir de tanta informação? Eu tenho algumas suposições, ou melhor, constatações a partir da minha experiência como consultor e professor.

  1. Salvo honrosas e raríssimas exceções, o cliente não é a maior preocupação das empresas. Mesmo quando essas exceções (como a obsessão da Amazon pelos clientes) açambarcam uma parcela significativa do mercado.
  2. Empresas estão preocupadas em conquistar os prospects. O cliente, que já está dentro de casa, que se lixe.
  3. Também estão focadas nos seus produtos (filhos diletos de quem os criou e que o mundo deveria amar incondicionalmente), nos resultados de curtíssimo prazo para agradar os investidores da bolsa de valores e seus executivos receberem polpudos bônus, antes de abandonar o barco.
  4. Outras estão focadas na tecnologia, especialmente se isso significar uma grande exposição nas mídias sociais e se forem populares entre os millenials (mesmo num país onde 75% da população tem mais de 30 anos)
  5. Fora a obsessão por melhorar a experiência do cliente. O que seria louvável se se tratasse de entender melhor o cliente e não apenas fazer mudanças cosméticas em sites e aplicativos. Alguém pergunta para o cliente se ele quer que seu aplicativo mude de aparência e navegabilidade antes de mudar todos os botões de lugar? (da mesma forma como os supermercados que trocam todos os produtos dos lugares onde o cliente estava habituado a encontrá-los)
  6. Mesmo as start-ups que poderiam ser o motor de uma nova cultura de relacionamento, não querem saber dos clientes, mas do seu brilhantismo high-tech. Como já ouvi de uma pessoa: “muitas start-ups estão desenvolvendo tecnologias para necessidades que não existem e que nunca vão existir”.

Alguns insistem em discutir essa questão: como eu identifico o que é proposta de valor para o mercado que eu quero atingir? Thales Teixeira, professor brasileiro em Harvard, mostra que eu só consigo ser disruptivo quando vejo uma necessidade não atendida e crio um modelo de negócio para atendê-la.

Até mesmo um filósofo, como o Pondé, já tratou do assunto no seu excelente Marketing Existencial: se eu não entender o que é um bem de significado para o cliente, nunca vou conseguir agradá-lo.

É um problema de cultura? Claro que é, e cultura não é algo fácil de mudar mas, sem essa mudança me parece inevitável que muitos negócios deixarão de existir à medida que seus clientes forem atendidos por outros que entenderam o cliente (o share da Amazon no e-commerce americano, segundo dados de fevereiro de 2020, chega a quase 40%, o segundo colocado, o Wal-Mart, tem 5%)

O momento é de deixar o X um pouco de lado, e concentrar seus esforços – e investimentos – no C.