O sentido da empatia

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Fábio Adiron

Three quarks for Muster Mark!

James Joyce

Há 5 mil anos a humanidade está em busca de uma solução única para o sentido de todas as coisas, em especial ao próprio sentido da sua existência temporária nesse universo físico que compartilhamos.

A busca de uma causa prima que tenha desencadeado uma cadeia de causa e efeito que explique desde a origem do universo até a posição exata de um neutrino.

Ainda que essa discussão fique muitas vezes restrita aos círculos filosóficos, ela transborda para nós, reles mortais, na cultura das generalizações e das soluções únicas para todos os problemas.

Panaceias e teorias holísticas surgem de todos os lados, curando de micose aos mais complexos transtornos emocionais e mentais. Especialmente no mundo corporativo, tão cheio de fórmulas hard e soft.

Uma dessas soluções mágicas é a tal da empatia. Um assunto que a Virginia Fantoni abordou de forma muito precisa em um artigo recente.[1]

Ela cita um artigo compartilhado pelo Haendel Mota sobre Neurônios Espelho[2] que sugere a possível relação desse espelhamento com a empatia.

O conceito básico do funcionamento dos neurônios espelhos é que nosso cérebro replica um estímulo externo ao observamos uma ação de outra pessoa. Não é de hoje que psicólogos estudam os fenômenos de mimetização entre humanos[3]. Possivelmente a explicação neurológica seja a existência desse tipo de neurônios.

O artigo mostra que a atuação dos neurônios espelho tem limitações, nem tudo que é percebido é espelhado, nem tudo que é espelhado tem um reflexo idêntico ao original.

Quatro constatações dos autores do artigo me chamaram a atenção:

  1. Quando uma ação observada não faz parte do repertório do observador os neurônios espelho não são ativados.

Ou seja, não adianta nada você recomendar que as pessoas sejam empáticas em todas as situações (supondo que isso vai resolver todos os problemas de relacionamento da vida), quando elas estão diante de algo que não faz parte do repertório delas.

Eu jamais serei capaz de entender o que é uma dor de parto, por mais que eu tenha acompanhado dois deles. Você não vai conseguir espelhar o sentimento de perdas pelas quais você nunca passou.

2. Exames de imagens mostram que as ações ativam a mesma área cerebral do observador, mas não significam que provocam a mesma reação.

Mesmo que esteja dentro do seu repertório, a maneira como você lida, ou lidou no passado, com uma ação similar, não significa que você sentiu as mesmas coisas e reagiu de forma igual. O prazer que eu sinto ao comer um bife de fígado, por mais que acione a mesma área cerebral sua, pode ser completamente oposta. O prazer que você sente ao comer um hamburger não é a mesma coisa.[4]

3. A eventual reprodução de uma ação observada não é automática, nem instantânea, geralmente exige outros processamentos mentais

No artigo da Virginia que eu citei acima, ela separa a empatia emocional (sentir) da empatia cognitiva (compreensão). Compreender o que acontece com o outro me parece algo factível, o que não me soa bem é acreditar que a empatia cognitiva vá acontecer de uma forma instantânea e que basta treinar bastante para que ela se torne uma prática automática.

4. A reprodução de emoções se dá por similaridade (a uma experiência armazenada na memória) e não por compreensão exata dos sentimentos de quem provocou o espelhamento.

Finalmente, mesmo que tenhamos o repertório e uma reação similar à emoção que observamos, a reprodução se dará por similaridade, nunca será exatamente a mesma coisa que o outro está sentindo. A sua lembrança aconteceu em um contexto diferente, com pessoas diferentes em momentos diferentes. Eu posso ter uma ideia do que o outro sente, mas jamais, saberei o que se passa com ele.

Concluindo

Segundo a psicologia, empatia é o “processo de identificação em que o indivíduo se coloca no lugar do outro e, com base em suas próprias suposições ou impressões, tenta compreender o comportamento do outro.”

É impossível você se colocar no lugar do outro de forma imparcial, você sempre vai carregar com você o seu repertório, a sua forma de reagir aos estímulos, as suas lembranças e a maneira como sua cabeça processa as informações.

Encerro citando o Diego Rezende, mestre de UX: “Empatia é uma ferramenta de autocritica para você sair da sua bolha e começar a entender as perspectivas diferentes das suas, para construir um raciocínio com menos vieses.”[5]


[1] FANTONI, Virginia. Os deepfakes intelectuais. https://adiron.com.br/consultoria/os-deepfakes-intelectuais/

[2] LAMEIRA, Allan P. GAWRYSZEWSKI, Luiz G. & PEREIRA JR, Antônio. Neurônios espelho. Psicologia USP 17(4), 123-133. São Paulo. 2006

[3] Beyond the perception-behavior link: The ubiquitous utility and motivational moderators of nonconscious mimicry. TL Chartrand, WW Maddux, JL Lakin – The new unconscious, 2005

[4] Behavioral mimicry and stigmatization. L Johnston – Social Cognition, 2002 – Guilford Press

[5] REZENDE, Diego. Empatia não é tudo. https://brasil.uxdesign.cc/empatia-n%C3%A3o-%C3%A9-tudo-67e1c6f652bc

Imagem extraída do filme The Meaning of Life do grupo Month Python