O velho armazém

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Quando Giovanni chegou como imigrante ao Brasil foi trabalhar numa fazenda de café. Conseguiu juntar uns trocados e mudou-se com mala, cuia e família para a cidade grande onde resolveu empreender. Abriu um pequeno armazém de secos e molhados em um bairro distante do centro. Aos poucos foi construindo sua freguesia e prosperando.

Sempre atrás do balcão atendendo os seus clientes, foi acumulando informação sobre cada um deles e adequando o negócio às demandas que identificava.

Sabia que produtos comprar, quais os volumes adequados para que cada um deles tivesse o giro ideal, como dispor cada tipo de produto de forma a conseguir a atenção dos clientes e, até, quais os clientes que mereciam, ou não, crédito para vender fiado.

Pietro, seu filho, começou a ajudar o pai quando tinha 14 anos. No começo em meio período, para não deixar de estudar e, à medida que crescia foi aprendendo com o pai todas as idiossincrasias do negócio e, principalmente, dos clientes.

Sua clientela era fiel, confiava nas indicações, tanto de Giovanni quanto, depois de Pietro. Ainda que regateasse uma vez ou outra, não se incomodava em pagar um pouco mais do que pagaria no moderno supermercado que abrira recentemente. Intuitivamente, entendiam que o armazém oferecia mais valor pelo seu dinheiro.

Quando o Filipo, o filho de Paolo e neto de Giovanni tornou-se adolescente pediu para trabalhar no armazém, mas o pai não permitiu e disse que ele deveria estudar mais do que seus antecessores. E assim foi.

Somente quando se formou na faculdade o pai lhe deu um cargo no negócio da família. A essa altura, Giovanni já estava aposentado e feliz com o filho e neto tocando o empreendimento. Até o momento em que Filipo começou a ter ideias e convencer o pai de que o armazém precisava se modernizar para enfrentar os desafios do futuro.

Primeiro foi o investimento em rebranding. Não era possível que eles ainda usassem a mesma marca e visual no armazém. Contrataram a empresa de design de um colega de Filipo da faculdade. O investimento não era exagerado, mas era um desembolso nunca feito antes.

A marca foi totalmente reformada. Mas não fez absolutamente diferença nenhuma nos resultados do negócio. Os clientes antigos não deram a menor bola, os clientes novos mal perceberam como ela era parecida à do supermercado concorrente do bairro.

Depois foi a mudança de layout. Filipo visitou vários supermercados da cidade e concluiu que o armazém não seguia as tendências contemporâneas. Mudaram tudo de lugar. Isso os clientes perceberam. E se incomodaram. Alguns reclamaram que não achavam mais nada.

As mudanças continuaram. O armazém passou a cobrar pelas entregas em domicílio. O sistema de fiado acabou e lançaram um cartão de crédito co-branded, afinal, que o banco ficasse com o risco e não eles. As vendas começaram a entrar em declínio.

Filipo concluiu que o problema estava nos produtos vendidos no armazém e começou, não só a mudar as marcas vendidas, como a extorquir os fornecedores na sua área de compras, perdendo não poucos deles.

A última pá de cal foi lançada quando Filipo resolveu colocar a culpa dos seus fracassos nos clientes dizendo que estavam velhos e antiquados e que o armazém deveria mudar radicalmente de modelo de negócio para atender as novas gerações.

Fechou a loja física e transformou-a em um centro de distribuição e passou a vender exclusivamente através de um app que nem o avô, nem o pai, nem os clientes fiéis conseguiam usar.

Em poucos meses estava quebrado. Um outro ex-colega de faculdade, sabendo da história toda propôs, e Filipo aceitou, ficar com a marca e a estrutura física em troca de assumir a dívida.

Desfez todas as mudanças, inclusive da marca. Panfletou no bairro que o “Armazém do Giovanni” estava de volta, contatou os velhos fornecedores e retomou os negócios. Em menos de um ano quitou todas as dívidas.

E chamou o senhores Giovanni e Paolo para o conselho da empresas, com quem está aprendendo cada vez mais sobre a importância dos clientes.